A problemática da identidade cultural no museus: de objetivo (de ação) a objeto (de conhecimento)

Em outro seminário que tivemos, discutimos o texto de Ulpiano T. Bezerra de Meneses, sobre o qual colocarei algumas partes que me chamaram a atenção.
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- problema da identidade cultural, para preencher as responsabilidades que o museu assume, como fatos de transformação social.
"Su función no se limita ya en transmitir un mensage universal para una audiencia amorfa, sino que debe centrarse en poner la población local en contacto con su propria historia, sus tradiciones y valores. Por medio de estas actividades el museo contribuye a que la comunidad tome conciencia de su propria identidad que generalmente le ha sido escamoteada por razones de orden histórico, social o racial, o que se ha sido desdibujando bajo la presión de la centralización a la urbanización" (pud Laumonier 1993:39)

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- Daí considerar-se a identidade como uma substância, quintessência de valores e qualidades a priori positivas, imunes a qualquer crivo.
- a raiz da palavra identidade é expressiva. O grego idios se refere a "mesmo", "si próprio", "privado".
- a identidade pressupõe (...) semelhanças consigo mesmo, como condição de vida biológica, psíquica e social. Ela tem a ver mais com os processos de reconhecimento do que de conhecimento.
- o novo apresenta, aí, descontinuidade do referencial, logo, ameaça risco.

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- identidade pessoal é indispensável como suporte de status. A imagem que o indivíduo faz de si mesmo será utilizada para justificar ou reclamar uma certa partilha de direitos e obrigações. Por isso, ela só terá eficácia se obtiver convalidação externa, se houver aceitação social. Assim, na "apresentação do eu", as pessoas "negociam" ou se acomodam as circunstâncias sociais.
- a afirmação de semelhança necessita da oposição do que não é semelhante.
- O semelhante é inofensivo, inócuo. É o diferente que encerra risco, perturba. Assim, a diferença está na base de todas as classificações, discriminações, hierarquizações sociais. Em outras palavras, não se precisam as diferenças apenas para fins de conhecimento, mas para fundamentar defesas e privilégios.
- Em suma, identidade e poder não se dissociam.

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- A identidade não é uma essência, um referencial fixo, apriorístico, cuja existência seja automática e anterior às sociedades e grupos - que apenas os receberiam já prontos do passado. Não existe um conteúdo ou grau ideal de identidade. "Perda de identidade", assim, é uma expressão enganadora - e bem diversa da crise de identidade.
- "resgatar a identidade" é objetivo impossível de atingir. Como recuperar algo que não é estático, não tem contorno definitivo, pronto e acabado, disponível para sempre?
- A identidade só pode ser identificada "em situação"
- Além disso, a identidade se fundamenta no presente, nas necessidades presentes, ainda que faça apelo ao passado - mas é um passado também construído e reconstituído no presente, para atender aos reclamos do presente. Por isso é que um historiador como Hobsbawm (1984) tanto insistiu na "invenção" das tradições.

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- Isto não quer dizer que deva sempre existir uma correspondência entre uma classe social e uma imagem de identidade específica.
- Em suma, os museus dispõem de um referencial sensorial importantíssimo, constituindo, por isso mesmo, terreno fértil para as manipulações das identidades.

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- o papel fundamental dos museus na legitimação do poder e do imaginário da Europa, desde a consolidação das nacionalidades, no século passado.
- é explícita a demanda de jovens nações, de utilizar os "museus nacionais" para alimentar seu próprio projeto de identidade.
- No museu, o risco é que uma pequena exposição, por exemplo, se transforme em apresentação de coisas, das quais se podem inferir paradigmas de valores para os comportamentos humanos e não na discussão de como os comportamentos humanos produzem e utilizam coisas com as quais eles próprios se explicam.

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- o que se deve propor é que os museus tenham sempre e obrigatoriamente uma postura crítica em relação à problemática da identidade.
- museus: o universal, o nacional e o local / regional. O primeiro, por certo, se apresenta como distante do viés ideológico da identidade.

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- Não há, em nossa sociedade, realidade regional / local que seja homogênea e estática.
- não cabe aos museus serem depositários dos símbolos litúrgicos da identidade sagrada deste ou daquele grupo, e cuja exibição deve induzir todos à aceitação social dos valores implicados. Cabe, isto sim - já que ele é o espaço ideal para tanto -, criar condições para conhecimento e entendimento do que seja identidade, de como, por que e para que ela se compartimenta e suas compartimentações se articulam e confrontam, quais mecanismos e direções das mudanças e de que maneira todos esse fenômenos se expressam por intermédio das coisas materiais.
- deve-se ir aos museus para interrogar e se interrogar, não para buscar respostas já concluídas.
- "desmusealização" dos acervos. Com esta expressão refiro-me aos casos mais simples de devolução de peças a seus contextos originais.

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- incluiu dispositivos referentes à manipulação de objetos sagrados e restos ósseos - dispositivos precisados e ampliados posteriormente e constantes de políticas formais.
- Outra modalidade é a cessão do acervo e do local para cerimônias ou situações de práticas originais: sirva de ilustração a execução de atos religiosos.
- diga-se de passagem que estas exclusões - previstas, como se disse acima, nos processos de identidade - têm sido objeto de ressalvas.

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- importância de desfazer certos binômios redutores como arte / artefato, passado / presente e assim por diante.
- Nessa ótica é que minorias "documentadas" em museus passaram a exigir que não só a formação de coleções e a organização de exposições e outras atividades contassem com a assessoria e colaboração de seus representantes, mas que toda gestão institucional fosse de sua exclusiva responsabilidade. Daí a distinção de museus antropológicos e museus étnicos.
- elas expressam saudáveis reivindicações políticas e, com isso, acentuam a dimensão social do museu, projetando luz sobre questões que permaneceram durante muito tempo numa injustificável inconsciência.

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- é necessário combater toda pretensão a monopólio e toda tutela sobre o conhecimento, seja do vencedor ou do vencido, da minoria ou da maioria, do observador ou do observado.
- Hoje, todavia, a disposição de dar voz aos silentes e excluídos tem provocado uma fragmentação generalizada, que corre o risco de atomizar o campo da disciplina.
- se tal conhecimento, que não é objetivo, também não for inter-subjetivo, mas permanecer mergulhado na subjetividade, escaparia a qualquer avaliação crítica.
- Paralela a estas questões é a da memória que, que pelas mesmas motivações sociais (e políticas) já se propôs como equivalente à História.

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- Esta visão de que o conhecimento se constrói, não previamente circunscrito, fechado, mas na interação observador / objeto, é prenhe de implicações de toda ordem e, por isso, está a exigir atenção e estudo.
- como, com os próprios sentidos que a exposição propõe, exibir museograficamente o processo de sua produção?
- Como se institui, então, museograficamente, essa interação discursiva - tão mais fértil do que os padrões usuais de exposição interativa, no modelo "hands on", com seus compromissos, em geral, de pura motricidade?
- o museu (...) seria a Torre de Observação, plantada no coração da cidade, solidária como ela, mas capaz de permitir examiná-la criticamente, como um todo e em suas partes (uma das quais a própria torre), nas suas contradições e descontinuidades, nos seus conflitos e reivindicações divergentes, na sua permanente dinâmica.
- Somente assim a afirmação da identidade, ainda que geradora da diferença, deixará de municiar automaticamente as estratégias da dominação.

Referências:
MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A problemática da identidade cultural nos museus: de objetivo (de ação) a objeto (de conhecimento). Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, NS n.1, p. 207-222, 1993.

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